quarta-feira, 30 de julho de 2014

Palavra-morte

A morte me prende,
abraço que me recolhe
e cobre minhas memórias,
sepulto minhas razões
em palavras mortas
que pouco ou nada
guardam de minha
vida

Seria possível guardar
alguma fidelidade
simbólica ao pensamento,
à intuíção, à razão,
àquela iluminação
extática, à experiência
e ao silêncio?

Palavras, símbolo
ambíguo que tenho,
hipocrisia inevitável
de minha condição,
pensamento transposto,
criado em formas
deformadas de si,
palavras

Ao mistério que
me ultrapassa não
posso dar corpo,
tampouco imagem
fidedigna, pretensiosa
sim, fingimento ou
uma seta, talvez

Traio-me, contradição
de que não fujo,
escrevo-me, escrevo
o que penso, o que
não pensei, leitura
estranha agora feita
marca no tempo, rasgo
irreparável de mim

Minha forja, porém,
é minha sina, destino
que escolhi, escrever,
abismo, tentativa sempre
falha, farsa vestida
de verdade, modelável,
feita verbo, leitura

Tudo é contaminado
de mentiras, inevitável
ilusão de poder dizer
tudo, símbolo feito carne,
reflexo irrefletido
de seu motivo, texto,
pretexto para a morte
do silêncio

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Desfeito

Eu, estranhamente vivo,
movimento-me sem aparente
motivo. Eis minha angústia,
dolorosa verdade que priva-me
de certezas, vaguidão
que me perturba e move,
estranha força que me move,
vazio que não quero
e medo que faz-me fugir
de mim e do resto do mundo,
êxodo involuntário de mim,
destruição e morte, partes
de mim que encontro e perco
sem nunca ter-me inteiro
nas mãos

Estranha angústia de existir,
de saber-me frágil, volátil,
vazio que faz-me querer
preencher-me de tudo
e rasgar-me de todo, morrer
de pouco em pouco,
deixar de mim um pouco
em toda parte onde
eu por acaso passar,
recordar além do tempo
o pouco que sei, final
que me desfaz na espera
de vê-lo aproximar-se,
assim me tenho inteiro
nas mãos