domingo, 6 de outubro de 2013

árvores

ambiciosas árvores que tomais
de assalto céu e chão,
que pretendeis servir
a homens e animais
de provisão, abrigo,
matéria e inspiração
vós, amigas do vento
e do tempo, temporais
aventureiras imóveis,
servi, vós, como quereis
ao meu intento, ambição
que aprendi de vós,
e dái-me vosso sopro
e intrepidez, ensinai-me
de vossa sabedoria estável
o segredo, matiz e matriz
do que sois e sereis
raiz não tenho, tampouco
ramos ou folhas ou frutos,
passo, como vós e mais
que vós, como a voz
que aqui calo, terrível
destino que pressinto
e toco como se fora passado,
o tempo que não vos toca,
que não vos mata, viveis
secretamente contentes
e em silêncio, imóveis,
eternidade que desconheço,
vós, ambiciosas árvores
que tomais de assalto
céu e chão e tempo,
e vento, sobro que se esvai
de mim, de vós, de tudo,
mas vós passais em silêncio,
em segredo, sem ambições

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Arte

A arte é o lugar da transgressão, da fantasia proposital de realidades que não seriam se não fossem arte, ilusão, fabricação, transgressão. Eis o gosto pela desobediência, pelo acaso fortuito de palavras fluentes e cadentes, escolhas rápidas e demoradas, mais das últimas, que contrariam o comum e o de sempre sempre parado em repetições, repetições, re-petições. Arte, ar rarefeito que respiro aliviado, delírio consciente e variado, teto ausente de minha casa que me permite ver o céu, minha casa sem janelas ou portas, sem paredes e chão, invenção conveniente e pouco convincente de estabilidade e sanidade, devaneio voluntário, volátil, repetido em medidas sempre diferentes, ferentes, deferentes, em atraso e adiantamento simultâneo, paradoxo proposital e coerente, minha arte.

A arte é o lugar da transgressão, modelagem sutil de matérias primas várias, palavras, imaginações, pensamentos e intentos, intenção materializada em provocação, fardo oportuno multiplicado por quem a vê, videntes repentinos e improvisados, interessados ou não na arte, curiosidade que mata e desperta a razão, pensamento provocado pela transgressão, quebra da repetição, repetição, re-petição.

Apostos acumulados são minha confusão, vírgulas inúmeras e longos perídos, arte que escolhi fluente, de poucos pontos. Esses últimos, tenho-os poucos e, se pudesse, não os teria e faço o possível para evitá-los e viver sempre, fazer do tropeço passo oportuno, improvisado, diverso dos outros passados, quebra da repetição, da repetição, da re-petição.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

tempo

tempo, tento
vencê-lo, passo
o tempo tentando
e perco tempo,
o passo, a vida
pouco a pouco
espero e perco
a paz, paciência
que não tenho,
mal que faço
ao tempo, eu,
senhor to tempo
que quero ser,
frustração
proposital
e previsível
inevitável
condição
tempo
eu
espero
sem querer
e quero logo
o passado,
o presente
e a esperança
já aqui, aqui
nas mãos,
transgressão
impossível, eu,
pretenso deus
de mim, do tempo
de todos,
eu
quisera
ter só
o tempo todo
sem precisar
esperar, tempo,
contrário de mim,
espero, sem querer
esperar, inevitável
condição, fato
trágico que não
consigo superar
eu deus,
inversão

sábado, 23 de março de 2013

O tempo

Tempo, eternidade pretérita, minha condição, repetida, reiterada, retirada de mim e completada em mim, através de mim, fora e dentro de mim. Passos não vistos, revistos, caminho revisitado em memória, lapsos de recordação fugida, passada, passado infinito e finito, breve sopro, curtíssima espera que não vi passar. Olho atrás e vejo um nada e tudo, tempo que passou por mim e eu não, vejo-me aqui, já fora dele e sem tê-lo visto em seu próprio tempo, sem tê-lo visto presente, mas ausente, agora, em memória. Não é sonho, nem tampouco delírio, vi-me desperto naquele tempo, mas o vejo agora ao longe como se lá sempre estivesse e nem passado fosse, nem presente, uma eternidade que vi, senti, e que consumiu o tempo que agora vejo lá, atrás de mim e à minha frente, esperança filha daquele não-tempo.

Que é o tempo senão carrasco impiedoso de nossas memórias, das alegrias, dos gozos passageiros que nosso desejo quisera guardar? Vejo-me atado a este cruel, meu inimigo, mas logo me livro, fecho os olhos e não mais o vejo, liberdade fácil, sempre ao meu alcance, eternidade já aqui, perto de mim, felicidade certa, gozo melhor que aqueles que o tempo consome, vida que encontro aqui numa prece, no silêncio, num desejo simples e puro, sem adornos, sem pretextos, sem angústias, sem medos, sem o tempo a cercear-lhe a liberdade.

Que é o tempo, então? Amigo estranho, simples cortina, nada mais. Ultrapasso-o, perpasso-o e nele encontro mais, um pouco mais e infinitamente mais que num instante, mais que naquele passado-presente-futuro que não se pode medir, que não se pode ver, aquela partícula de eternidade a que chamamos presente, o veramente presente, figura do que virá, esperança.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Vontade

Vontade. Sentimento estranho, agressivo, impulsivo. Quis escrever e decidi fazê-lo. Senti vontade. Pudesse eu ao menos conceber a origem, o motivo, o primeiro movimento, a gênese disto, o antes da decisão, do passo, da escolha, do pensamento, penso que poderia entender melhor o que faço, escolheria melhor, pensaria mais. Senti vontade de escrever e escrevi, e senti tantas vontades... as reticências escondem minha falta, são minhas cúmplices, espaço inviolável de confidências que não faço, reticências. É isso também uma escolha que faço, e faço porque tive vontade de fazer. Sentimento estranho, agressivo, avesso à razão, impulso involuntário, instinto, reflexo. Reflexo do quê? Eis a pergunta inquieta e que perturba, a impressão, o juízo prévio feito de mim mesmo, a culpa antecipada, o medo, ansiedade inevitável. Poderia ter-me calado, mas não me calei. E se me calasse, se não falasse, se escondesse o desejo e me obrigasse a não escrever, ao silêncio? Antecipo o arrependimento, trago-o do sonho ao presente, da fantasia, da preparação, torno-o já realidade, consequência do que ainda apenas pode ser, do que poderia ser, do que será e seria, assim, menos livre, ou mais livre, cadeia insuspeitada de reticências, de hesitações, de inquietações que se derramam no papel, que se tornam palavra, escritura, texto, prova de minha falta, minha culpa, minha pena, meu compromisso agora irrevogável, meu pensamento agora tornado visível, irretocável, porém maleável, matéria prima de novas vontades que nascem em susceção interminável, palavra, semente, broto, fruto e nova semente, alimento.

Seria a vontade necessariamente tendência à decisão? Não deveria ela ser, antes, ponderação, hesitação? Pormenores menores poderiam ver-se, traduzir-se em gesto, rosto, palavra e o resto, o excesso, ficaria de lado, esquecido, interrogação silênciada na suspeita, no juízo prévio e seleção, discriminação do que é justo e do que não serve. Eu, porém, escrevo quando quero, deixo vazar o excesso e o resto, tudo que quero dizer. Faço-o sem rascunhos, aqui não existem rascunhos. Apago o erro e finjo acertar sempre, sem correções, sem retoques. Fica aqui uma única marca, a completude, a definição, o acerto, a precisão. A vontade, aquela do início, já se desfez, diluída em disfarces que dela já não se distinguem, não há rascunho, não há história, há nascimento pretensamente instantâneo, perfeito, como se eu fora deus. Digo-o sinceramente, tenho vontade de fazê-lo e peso, faço pesar sobre mim o pesar, o arrependimento de não fazer sempre de minha vontade pergunta, hesitação e dela rascunho de se que faça registro, história, ponderação. Temo a decisão improvisada que pareça acertada, impecável, perfeita e livre de fragilidade, assim adjetivada por outros, por todos que só veem o lado de fora. Temo ser eu um desses que de mim veem apenas o lado de fora, sem história, instantâneo sem passado, instalado numa agora satisfátório, raso, superficial.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Olhos

Olhos, fecho-os e vejo mais
Claro, menos distraído
Detalhes que perco se vejo
De olhos abertos, penso
Em meu defeito, meu jeito
Estranho de ver, de olhar
O mundo e tudo, o outro
Outros tantos diversos
Estranhos, distantes sempre
De mim, adversos, contrários
A mim sempre, ameaças

Olhos, fecho-os e vejo mais
Sem preconceito, vejo
Claro, sem manchas, claro
Como ao sol, sem sombras
Reflexos nem distorções
Fecho os olhos, abro-os
De outro jeito, estranho
Ao corriqueiro, exercício
Estranho, obrigatório,
Dor que me obrigo a sentir
Para ter um pouco de paz

Olhos, fecho-os e vejo mais
Que veria de olhos abertos
Tenho paz, liberdade fácil
Veramente clara, permanente,
Minha paz, serenidade,
Nisto aprendo a mansidão
Aquela do Cordeiro, de Cristo
De Deus, que fez silêncio
Fechou os olhos e quis
Assim vencer as sombras
Sobras de nossa altivez