domingo, 27 de novembro de 2011

Minha obra

Não escrevo mais procurando rimas como fazia outrora, eu e meus colegas, quando o professor o pedia em aula de literatura. Causava-me pavor a obrigatoriedade dos sons repetidos, tão repetidos, muito repetidos, especializavam-nos em rimas pobres e disso colhemos os frutos em tantas pretensas poesias que por aí rimam e por isso alguém quis chamá-las de poesias. Não escrevo procurando rimas, mesmo se faço poesia e em alguma delas há sons que se combinam e palavras consoantes. Não procuro rimas, procuro significados em formas que se gravam na memória, em períodos rápidos, rítmicos, compassados, porém obstruídos, às vezes, por algum elemento que desfaz a fluidez da leitura, pedra que ali decido colocar. Construo assim minha obra, intuitivamente, pensando a forma e o passo, o compasso e o tempo, textos formados de jeito espontâneo, porém de pensamento reticente sobre sua própria produção.

Meus pensamentos se fazem em palavras, escritos descritos feitos refeitos desfeitos e faço-me assim, conheço-me deixando que saia de mim o que quero, que sinto-senti, o que pensei e agora penso, escrevo. Confuso às vezes pareço, mas sem culpa, apenas sou livre como sei sê-lo. Não marco o que digo com expressões que sejam as mais populares ou fáceis, as palavras fáceis nem sempre são coerentes com o que deve ser dito, é vaso por vezes pequeno que nem tudo pode conter. Eu, no entanto, alguma vez escolho o vaso pequeno e digo pouco, fragmento do todo que quero penso desejo e o deixo à mesa para quem quiser se servir do que tenho e me desfaço de um pouco de mim para cobrir com virtude que tenho um alheio defeito e deixo espaço para que uma virtude qualquer que vejo num outro os meus defeitos venha cobrir também e lhes tomar o lugar.

Não escrevo procurando sons que combinam, mas pensamentos que sejam consoantes conflitantes aliados inimigos que mutuamente se completam e sejam uma pouco rasa expressão de mim mesmo, poesia que seja rima em outra ordem e não combinações contingentes de sons que se assemelham. Rimas costumam ser acessórios estéticos, mas não as quero assim, fazem parte do sentido escondido do que quero dizer naquilo que materialmente digo, é forma, movimento, estímulo oportuno à atenção dispersa. Nessas montagens gosto sempre do incomum, das construções estranhas à razão que se diz normal e que pensa como todos pensam, gosto das pedras, dos espinhos, de cores que não combinam, das tradições que se criam transmudando outras, mudando aquilo que sempre se viu.

Tudo isso é trabalho que se faz aos poucos, e toda identidade tem disso um pouco, é novidade malquista quando descoberta num tempo de tantas simetrias e similaridades e comuns e repetidos e costumes dissolvidos em monotonias travestidas de repetições cada vez mais floridas e iluminadas com luzes sempre temporárias.

Eu mantenho meu ritmo, minha obra é minha, não de outro, mesmo que pertença a outro quando sai de minhas mãos e nalgum lugar a deixo publicada. Se nem todos entendem não me importo, por vezes deixar meio-entendidos por aí faz parte de meu propósito, pedras às vezes provocam desvios que no final se revelam oportunos. Amem as pedras. Amém.

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