sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma pedra

Não vejo o que meus olhos escondem de si mesmos. Olhos cansados, fugitivos, desgastados de eu tanto olhar o tempo, cansados do que viram o dia inteiro e tanto querem esconder-se atrás das pálpebras tão pesadas, tão pequenas frágeis e tão fortes contra mim. Os pensamentos, já tão lentos, devagar se vão deixando descansar e aquelas pálpebras se fechando e escondendo esses meus olhos que não querem mais olhar e ver nenhuma luz, nenhuma sombra ou qualquer pequeno movimento. Sentidos todos já cansados, membros já sem muitas forças para fazer qualquer esforço, mesmo este que ora faço para deixar algum registro do que não poderia de outro jeito acontecer ou ser lembrado. Os pensamentos já tão lentos não se importam se a lembrança do que pensam no presente sobreviverá em algum recanto da memória adormecida pelo tempo, entediada pelo compasso do relógio da sala de minha casa, sentido cansado, desgastado, aborrecido e aprisionado por uns ponteiros que giram presos num mesmo ponto e ali fico, preso também naquele tempo circular, repetindo todo dia esta rotina de abrir os olhos e cansá-los por tanto mantê-los abertos para descansá-los ao final do novo velho dia. O que vejo entre as repetições é o que importa, é o que vejo, e o repetido esqueço, é movimento involuntário, incontrolável, necessário, descanso e desdescanso que se devem repetir circundando os necessários afazeres que não posso e não quero dispensar.

Tanto fiz, tanto vi, tanto ouvi, tanto senti que não senti, não vi, nem sei se também ouvi o que passou por mim, se em algum recanto da memória encontrarei, talvez, num outro dia, alguma coisa do que passou por mim por este dia já passado, já cansado, já é hora de dormir. Adormeço, ou não, tendo presos pensamentos de mim mesmo e do que faço e daquilo ainda por fazer, eu me esqueço de que assim nada disto do que penso se resolve, mas me perco em pensamentos já cansados e os canso ainda mais pensando o que é inútil, inevitavelmente incomodado por tudo que poderia eu ter feito, poderia mas não quis, não pude, poderia, possibilidade que não sobreviveu.

Talvez me chamem louco aqueles que até aqui leram este texto tão estranho, feito de retalhos, de palavras escolhidas quase a esmo, talvez com pouca precisão no juízo de quem olha só pelo lado de fora. Mas, creio que assim o tenha ouvido, alguém disse por aí que quem quisesse comunicar-se com clareza não escreveria poesia. Talvez estas palavras sejam alguma tentativa minha de fazer o mesmo, de colocar no meio do caminho alguma pedra, aqui onde alguém já tinha visto uma. Ponho outra no meio de outras tantas postas por outros antes de mim. Não sou eu que digo isto, di-lo o texto que aqui deixo, prova de que passo por aqui, não eu, o que penso, o que invento, o que escrevo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário