sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Tudo pouco

Tenho um pouco tudo comigo
Guardado, escondido, falseado
Por vezes aos olhares que dizem
Elogios importunos, indigestos

Olho e vejo meu pouco tudo
Sei que não é tanto assim, mas
É tudo pouco que tenho e sei
Fazer, não sei, só faço

Faço pouco tudo, talvez, sei
Não é tudo que posso, sei
Um pouco mais preciso dar
E meu pouco será tudo, enfim

Não minto se digo que faço
Meu tudo pouco enquanto faço
Só um pouco do tudo pouco
Que poderia fazer agora

Faço tanto quanto pouco posso
Fazer com o que tenho hoje
E conheço de mim mesmo, vejo
Pouco de tudo que tenho comigo

Deus só vê tudo muito em mim
Mesmo se pouco me parece ser
O que eu vejo, tenho e dou
Meu tudo pouco ao Senhor

Bem pequeno pouco é meu amor
Mas disso a Ele dou tudo pouco
Mas se grande é meu desejo, sei
Deus de mim recebe tudo muito

Meu desejo muito faz que seja
Muito o tudo amor que dou
Mesmo que em verdade seja pouco
O amor tudo que dou de mim

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Contradições

Sempre digo, para mim mesmo, que quero ser livre, mas não me deixo livre de minhas próprias vontades. Parece absurdo dizer que minha vontade me prende e que o que quero torna-me escravo, mas mais absurdo é pensar que fazer-me cativo do instinto, de necessidades que pedem alívio, sempre o mais breve possível, seja ser livre. Desejo, nem sempre o que devo, e por isso por vezes preciso querer o contrário do que imediatamente quero, contrariar meu desejo e fazer o que devo, amar a mim mesmo e saber recusar-me as satisfações que procuro.

Vejo-me sempre cativo de pequenos desejos, de desânimos tão recorrentes, do cansaço que sempre parece pesado demais, das necessidades do corpo que sempre pedem pronto alívio, de minhas vontades, tantas vontades que querem sobreviver, que querem erguer-se sobre a razão querendo convencê-la de que quando satisfeitas me deixariam em paz, mas quando me rendo logo elas voltam, e sempre voltam, maiores, mais urgentes, menos pacíficas, fazendo-me aos poucos dependente de satisfações. Necessidades, descansos, desejos, satisfações, silêncios, segredos, fugas, distrações, trama diabólica que divide meu coração, tantos inimigos que dentro de mim combatem contra Deus, que em silêncio me deixa lutar tentando contrapor o amor que tenho por Ele àqueles tantos inimigos; vejo-me fraco, tão frequentemente caio e enraízo mais profundamente minha dependência deles, aos poucos me perco pensando em querer algum bem contrário ao meu Deus e me deixo por vezes levar por esses desejos que invento tentando encontrar um consolo, enganando-me com as promessas de paz que o alívio me faz.

Quisera ser menos fraco, ao menos um pouco, cair com menos frequência, amar mais o Senhor. Por vezes eu rezo pedindo mais forças, capacidade para não me render em tantos combates, mas nunca recebo qualquer alívio que peça ao Senhor. Motivos para duvidar de meu Deus, porém, eu não tenho, mesmo se tenho fraquezas que sem se cansarem não param de pedir alívio, forças, capacidade. Assim aprendi o que Deus quer de mim. Ele não quer encarnar-se de novo e possuir o meu corpo, calar-me a vontade, fazer-me cativo de um poder mais forte que eu e assim suprimir as fraquezas de meu coração, mas quer que Sua vontade em minha fraqueza seja glorificada, fazendo-me crer que minha humanidade foi na Cruz redimida e não destruída, fazendo-me assim assumir para mim essa mesma vontade, desejando, constante, o bem de meu Deus.

Meu Deus encarnou-se uma vez para sempre e fez-se alimento para comigo ficar. Assim eu O tenho sempre por perto, no meu coração, fazendo viver aqui dentro Sua vontade imutável, invencível, assim tenho sempre constante o desejo de estar com meu Deus. Enquanto meu desejo for maior que o mal, enquanto conservar a graça de Deus em meu coração, permanecerei constante e estável como é o Senhor. Assim fico grato ao meu Deus pela fraqueza que tenho, assim não confio jamais em mim mesmo e a Ele me entrego, sem medo, feliz, sem querer mais alívio ou qualquer consolação. Se sou de meu Deus, não importa ser fraco, importa, sim, tê-Lo sempre comigo.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Memórias

O que já não tenho diante dos olhos, não vejo e não alcança meu desejo, não lhe sinto a ausência e aos poucos disso me esqueço. As lembranças aos poucos escassas se tornam, esvaziando-me delas o pensamento enquanto adormecem num passado que por lá ficou, que deixou marcas que ainda despertam lembranças, mas nada além disso. O que não alcançam meus sentidos, disso já não sinto falta, nem um mínimo desejo que possa mover-me a vontade, fazer-me esboçar qualquer movimento para senti-lo outra vez perto de mim, aos poucos disso me esqueço. Faltas passam, ausências a si mesmas acostumam o coração que não pode mais remediá-las, tornam-se amigas da saudade e se escondem, adormecem, despertam às vezes mas sem muita vida, enfraquecidas, desbotadas.

Vejo se esconderem no tempo aquelas boas memórias que costumavam alentar meu coração com a esperança de revê-las por perto, mas vejo-as longe, distanciando-se aos poucos e pouco, muito pouco sinto daquilo que me faziam sentir. Não tenho mais muitas memórias boas, o bem que tenho sobrevive pouco, dele me esqueço tão logo passa por mim, vivo assim, sem muitos consolos, alegrias somente presentes, nenhuma passada, nenhuma futura. Tenho o que possuo agora, é agora o único tempo que tenho, o único bem que possuo, agora me alegro ou me entristeço, mas disso não guardarei muitas lembranças, não mais, não mais serão lembranças o meu alimento.

O que tenho hoje perto de mim, o que alcança meus sentidos e meus sentimentos? Não saberia descrever se tentasse, mesmo, talvez, se pudesse encontrar alguma palavra ou gesto que pudesse descrever sem muito detalhe o que sinto, impreciso seria em qualquer tentativa que fizesse, em tudo que diria. O que digo já não o sinto, senti, talvez, num tempo passado que por lá ficou, ou, talvez, senti quando vi o que escrevo vivo em alguém perto de mim, sentimentos que chegaram ao meu coração, deixaram seus vestígios e partiram, resolvendo ficar nas palavras que escolho escrever. Trago em minha vida tantas memórias, tantas histórias, poucas minhas, tantas alheias que se tornam minhas, motivos de minhas poucas preces, de minha oração.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Uma pedra

Não vejo o que meus olhos escondem de si mesmos. Olhos cansados, fugitivos, desgastados de eu tanto olhar o tempo, cansados do que viram o dia inteiro e tanto querem esconder-se atrás das pálpebras tão pesadas, tão pequenas frágeis e tão fortes contra mim. Os pensamentos, já tão lentos, devagar se vão deixando descansar e aquelas pálpebras se fechando e escondendo esses meus olhos que não querem mais olhar e ver nenhuma luz, nenhuma sombra ou qualquer pequeno movimento. Sentidos todos já cansados, membros já sem muitas forças para fazer qualquer esforço, mesmo este que ora faço para deixar algum registro do que não poderia de outro jeito acontecer ou ser lembrado. Os pensamentos já tão lentos não se importam se a lembrança do que pensam no presente sobreviverá em algum recanto da memória adormecida pelo tempo, entediada pelo compasso do relógio da sala de minha casa, sentido cansado, desgastado, aborrecido e aprisionado por uns ponteiros que giram presos num mesmo ponto e ali fico, preso também naquele tempo circular, repetindo todo dia esta rotina de abrir os olhos e cansá-los por tanto mantê-los abertos para descansá-los ao final do novo velho dia. O que vejo entre as repetições é o que importa, é o que vejo, e o repetido esqueço, é movimento involuntário, incontrolável, necessário, descanso e desdescanso que se devem repetir circundando os necessários afazeres que não posso e não quero dispensar.

Tanto fiz, tanto vi, tanto ouvi, tanto senti que não senti, não vi, nem sei se também ouvi o que passou por mim, se em algum recanto da memória encontrarei, talvez, num outro dia, alguma coisa do que passou por mim por este dia já passado, já cansado, já é hora de dormir. Adormeço, ou não, tendo presos pensamentos de mim mesmo e do que faço e daquilo ainda por fazer, eu me esqueço de que assim nada disto do que penso se resolve, mas me perco em pensamentos já cansados e os canso ainda mais pensando o que é inútil, inevitavelmente incomodado por tudo que poderia eu ter feito, poderia mas não quis, não pude, poderia, possibilidade que não sobreviveu.

Talvez me chamem louco aqueles que até aqui leram este texto tão estranho, feito de retalhos, de palavras escolhidas quase a esmo, talvez com pouca precisão no juízo de quem olha só pelo lado de fora. Mas, creio que assim o tenha ouvido, alguém disse por aí que quem quisesse comunicar-se com clareza não escreveria poesia. Talvez estas palavras sejam alguma tentativa minha de fazer o mesmo, de colocar no meio do caminho alguma pedra, aqui onde alguém já tinha visto uma. Ponho outra no meio de outras tantas postas por outros antes de mim. Não sou eu que digo isto, di-lo o texto que aqui deixo, prova de que passo por aqui, não eu, o que penso, o que invento, o que escrevo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Vento sopro

Do vento sopro sinto tocar-me o rosto o leve movimento disto que não vejo e vejo-me em paz. Nenhuma parte de mim se move enquanto sopra sobre mim a tranquila calma brisa que alivia do calor e aqui descanso, e ouço o canto, passarinho tão tranquilo que escuto rezar ao longe de onde estou, descanso. Parece faltar-me nada do que ordinariamente quero, e quero pouco, nada além do que ora tenho enquanto nada falta do que preciso, o que Deus me dá. Sobra-me igualmente nada, mesmo vendo ao meu redor tanta gente que tem tudo aquilo que eu em outros tempos desejava, já não invejo aqueles outros, sento-me tranquilo onde estou e vejo aqui passar o tempo para mim e também eles. Para mim já não é o tempo adversário, ao contrário, é meu amigo, feliz acompanhante de meus passos solitários que não esperam quando já não são, rezam, e seja Deus a decidir quando deverão existir uma outra vez.

A vida, morte se parece, mesmo quando festiva, mesmo alegre, sinto-a fugindo, não a posso segurar perto de mim. Assim a sigo aonde vai, sem saber aonde vou levado às vezes por uma vontade de guardar o que não cabe em minhas mãos ou em meu próprio coração. Vejo-a longe, às vezes perto, mas dentro de mim raramente vejo um traço, um rastro deixado pela vida que persigo, sigo sem saber se vivo, vivo, livre, sem mais preocupações. E o que vejo ao meu redor? Vejo quem tanto quis reter dentro de si a própria vida e assim morreu, crendo-se vivo e livre se prendeu, em si mesmo se encerrou, encarcerado pelo medo de não poder evitar o inevitável, morte intolerável mesmo quando ela distante lhe parece.

Olho o céu e me surpreendo. De tanto bem que vejo aqui ainda tão pouco conheço e vejo, vejo tão imenso universo, tantas vidas variadas, novidades que pululam ares e águas e tantos lugares e vejo poucos que se encantam com mistério tão bonito. Vejo Deus que assim age e se revela deixando-se escondido atrás das obras que pintou, e o vejo em mim a abrir-me os olhos e a fazer-me perceber que "é tudo muito bom". Empresto-lhe meus olhos e ganho dele o Seu jeito de olhar e redescubro assim quem sou, quando do vento sopro sinto tocar-me o rosto o leve movimento deste que não vejo e vejo-me em paz.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Escrevo

Escrevo, não para dizer que sinto
Ou descrever o que tenho naquela mesma
Hora em meu pensamento ou em meus
Sentimentos vários imprevisíveis
Que não posso conter no momento
Em que nascem nem posso entender
Enquanto os vejo crescer e espero
Que passem por mim ou que eu passe
Por eles e paro, olho pra trás e vejo
Tento sentir o que senti no que passou
Como se visse um retrato do que ficou
No passado mas não me esqueci e que
Olhando de longe mais vejo de perto
Os detalhes que de perto deixara
Escapar de meus olhos e pensamentos

Escrevo, não para dizer o que sinto
Escrevo para dizer o que senti ou
Talvez o que teria sentido se hoje
Eu pudesse tocar o que toco ao lembrar
A mim mesmo de meus passados sentimentos
Que sinto de novo, novos presentes
Presente que a vida me faz e a letra
Me trás qual presente que o tempo
Deixara esquecido em si mesmo e vejo
Cada vez que os vejo eu mesmo inteiro
Passado e presente presentes no tempo
E vislumbro um começo, futuro incerto
E certamente inteiro como vejo passado
Tanto tempo de ora eu escrevo e sinto
Novo tudo de novo do que ainda sentirei